terça-feira, 7 de junho de 2016

Eu

Tive uma infância dita feliz, no secundário fui vitima de bulling. Tive um depressão, tomei anti-depressivos e fiz psicoterapia. A depressão resolveu-se, mas eu nunca mais fui eu. Não sou um pessoa infeliz, sou feliz à minha maneira, mas nunca mais fui ALEGRE, sorridente, bem disposta. Fiquei sempre com medos. De quê? De tudo. Comecei a ter muita dificuldade em lidar com adversidades, com os problemas banais do dia a dia, fiquei sempre muito muito ansiosa desde aí e assim continuo. Com medo de ter comportamentos inadequados e desajustados socialmente. É difícil para mim chegar perante um grupo enorme de pessoas e ser o centro das atenções, por três segundos, sinto-me inadequada, sinto-me inferior aos outros. Tímida sempre fui, mas não é só isso, é mais qualquer coisa, além desta timidez é este complexo de inferioridade, acho que tudo o que faço socialmente é inadequado. Isto sou eu, sem capas e sem filtros. No meu local de trabalho, sou stressada sim, mas extrovertida e bem disposta, digamos que é a minha personagem, a minha máscara. Em casa, com os meus, não sou nenhuma carpideira, gosto de fazer as minhas piadas, mas não sou de me rir ás gargalhadas, não sou ALEGRE. A pergunta:  O que é que tens? Porque é que estás sempre triste? É frequente. Essa sou eu, não tenho como ser outra pessoa, sou eu há 15 anos, não consigo mudar, ser diferente, por mais que tente. Estou sempre apreensiva, sou pensativa, introspectiva, falo muito menos do que observo. Desabafo pouco, não gosto de preocupar os outros com as minhas coisas, se algo não corre bem grito e esperneio, mas não me vitimizo, perante os meus pais, marido, avós, faço sempre papel de durona, claro que também choro e me fragilizo, mas tento fazê-lo o mínimo possível.
Esta sou eu.

Encontrei o meu marido por quem me apaixonei quase à primeira vista, adorei tudo nele, ele demorou um pouco mais a ver por trás da minha capa, mas apaixoná-mo-nos os dois e começámos a nossa história. Um mês e meio depois de começarmos a namorar descubro que tenho endometriose. Tudo na minha vida é assim, acho que na vida de muita gente. Nunca pode ser tudo bom, tem que haver sempre alguma coisa a borrar a pintura, a vida é mesmo assim. A felicidade são momentos.
Claro que lhe pedi para me deixar, que eu não era mulher não era nada, eu sabia o que era endometriose, eu não tinha qualidade de vida, é certo, mas também SABIA o que era endometriose pelo prisma da infertilidade. Como disse namorávamos há um mês e meio, ele podia perfeitamente ter seguido em frente, mas é demasiado Homem, com H mesmo grande, para isso. A endometriose esteve presente em todo o namoro e noivado. Ele esteve sempre ao meu lado, consultas, ecografias, cirurgia, sempre.
Passados 4 anos de namoro casámos, foi um dia muito feliz. Dois meses depois de casados começámos as tentativas e já passámos pela grande desilusão de perder uma gravidez, um filho muito desejado e amado pelos dois. Desde aí passámos por mais nem sei já quantos ciclos, de esperança e desilusão, de impotência perante tamanha adversidade.
Já chorou muitas vezes comigo e por mim. Já aguentou demasiadas neuras. Tenho-me tornado um pouco, amarga, ácida até mesmo corrosiva. Ás vezes o meu subconsciente convence-se que o melhor seria ele deixar-me (não consigo escrever isto sem que as lágrimas me corram cara abaixo) ele seria muito mais feliz, poderia ser pai como todos os amigos dele, podia realizar esse sonho e o sonho dos pais dele de serem avós, poderia realizar imensos sonhos, e talvez tivesse a sorte de ter uma mulher alegre, divertida e bem disposta ao seu lado que o amasse como eu o amo, mas que não fosse encucada como eu sou, com as minhas coisas, que fosse fértil em todas as acepções da palavra.
Ás vezes o meu subconsciente quer que eu o afaste de mim, para o proteger.

Mais um mês destes castelos construídos e desmoronados se passou, este mês pela primeira vez, desde Dezembro, sem spotting, o que como disse foi uma boa notícia. Fez-se um teste de gravidez, negativo.
Por casa esgotaram-se os testes de ovulação e não vou comprar mais. O espermograma e as minhas análises estão também marcadas. Sinto-me a desistir, olho para o espelho ele diz-me tu não vais ser mãe, nem toda a gente pode ser mãe e tu não vais ser. Sinto-me fraca e sem forças sem esperança e sem vontade de viver. Sim, porque nos últimos 7 meses não tenho vivido, tenho sobrevivido a perdas, a spottings e a negativos, tenho sobrevivido à endometriose e à infertilidade.
Não, não sou uma pessoa alegre e resplandecente mas também não sou esta pessoa que tenho sido nos últimos sete meses, uma pessoa que só pensa em  ter bebés que é a única coisa que não consegue, uma pessoa que sente inveja de toda a grávida e todo o carrinho de bebé que se cruza no seu caminho, como se tivessem mais sorte do que eu. Como posso eu pensar isto? Sei lá qual a história dessas pessoas, sei lá o que aquela pessoa já passou? Quem sou eu para dizer quem tem mais sorte e quem não tem? Que pessoa é esta? Que ser humano é este? Tenho outros sonhos, quero viajar, relaxar, conhecer o mundo, por quanto tempo mais poderei ficar presa nesta teia? E para quê? Será que vale mesmo a pena? Sinto-me cansada e sem força para lutar, para ACREDITAR, para pensar positivo, para pensar que uma fertilização in vitro me vá realmente conceder alguma coisa. Neste momento não acredito em nada. O chegar ao fim de cada ciclo vazia, está a dar cabo dos últimos pedacinhos de mim. Vou fazer as benditas análises que estão marcadas e depois vou começar a tomar a gynera novamente, porque não aguento mais.O que tiver que ser será, o que sei é que tenho deixar de sobreviver e começar a viver.

6 comentários:

  1. Ah Mia sou mesmo toto em ultimo grau sem crer apaguei o teu comentário 😭😭😭😭!!
    Obrigada querida, eu sinto isso também as pessoas que estão fisicamente presentes na minha vida não me conseguem perceber cono vocês conseguem.
    Beijinho grande

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  2. Querida Dream tenta viver um dia de cada vez... assim fica mais fácil! Confia nos médicos que escolheres para o tratamento e mantém-te serena que tudo irá correr bem :)

    Beijo grande*

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    1. Ainda não alcancei a sabedoria necessária para isso... pode ser que um dia ainda consiga. Beijinho

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  3. Ah Dream ... revejo-me tanto nas tuas palavras. Somos muito parecidas. Por acaso não és caranguejo? eheh!
    Toda essa descrição que fazes que te sentes inferior quando és o centro das atenções ... ah sinto exactamente o mesmo.
    às vezes também tenho esses pensamentos (tolos) de achar que o nosso amor merecia mais que nós. Sim, admito que tenho. E é horrivel pensarmos assim ... Sentirmo-nos menos mulher, sentirmos que a nossa vida sem um filho não é vida. No entanto sabemos que são pensamentos errados e sabemos que não somos esta pessoa que nos tornamos desde que a batalha da infertiidade começou.

    Mas e agora, como mudar? Como mudar o rumo do nosso pensamento quando aquilo que mais queremos é dar amor a um filho? Como?

    Não sei :( Por mais que tente diferentes maneiras acabo sempre por não saber responder.

    Força querida Dream. Estamos juntas neste barco e temo-nos umas às outras e entendemo-nos tão bem e olha concordo com o que dizes, vocês amigas virtuais têm sido um grande, se não o maior, apoio nesta luta.

    Temos de acreditar. Beijinho grande*

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    1. Acertaste na mouche! Caranguejo! Obrigada por estares ai! Depois vem contar notícias tuas!
      Um grande beijinho

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  4. Dream ahahah deixa lá, o importante é que o leste :)
    Mikas no comentário que a Dream apagou sem querer eu também estava a dizer que me sentia assim e que me achava muito parecida com ela. É engraçado a forma como nos identificamos tanto umas com as outras e a empatia que se cria sem nos conhecermos pessoalmente.

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